BR-319: pavimentação ameaça meta de desmatamento zero do Brasil às vésperas da COP30

Desde o início de seu terceiro mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assumiu o compromisso de conduzir o Brasil rumo ao desmatamento ilegal zero até o ano de 2030. No entanto, às vésperas da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), que será realizada de 10 a 21 de novembro em Belém (PA), especialistas alertam que uma obra pode inviabilizar a meta e se tornar um novo vetor de destruição socioambiental na Amazônia: a pavimentação da BR-319.

De acordo com um estudo publicado em setembro por cientistas do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) na revista Regional Environmental Change, a pavimentação da rodovia, que liga Manaus (AM) a Porto Velho (RO), se estende por mais de 885 quilômetros e pode provocar o desmatamento de 5,78 milhões de hectares até 2070, impulsionado pelo surgimento de novas vias, planejadas ou ilegais, ao redor da estrada.

A área de influência da estrada abrange 13 municípios, 42 Unidades de Conservação (UCs), 69 Terras Indígenas (TIs), 01 Território de Uso Comum (TUC) e 70 projetos de assentamento de variados modelos. Segundo diversos especialistas, a obra ameaça o equilíbrio ecológico, a sobrevivência de espécies, o bem-estar das populações tradicionais e até o regime de chuvas nas regiões Centro-Oeste e Sudeste do país.

“A devastação dessa região, chamada Trans-Purus, que concentra um dos maiores estoques de carbono do planeta, vai afetar o regime de chuvas que sustenta a agricultura do Brasil. A Amazônia já caminha para o limite. Com a BR-319, esse processo acelera e pode levar a consequências imprevisíveis: o Nordeste se tornando árido, secas cada vez mais extremas e até eventos climáticos fora dos modelos atuais. É devastador não só para o Brasil, mas para o planeta inteiro”, alerta Philip Fearnside, pesquisador do INPA e coautor da pesquisa que avalia os impactos da rodovia, em entrevista ao InfoAmazonia.

Os alertas não param aí. Um novo estudo realizado pelo Observatório BR-319 (OBR-319) revelou, a partir de análises geoespaciais, que a abertura de ramais e estradas no interflúvio Purus-Madeira está se expandindo, sendo em sua maioria vias clandestinas. Ao todo, já foram identificados 18.897 quilômetros (km) que pressionam todo o território do interflúvio, inclusive adentrando em áreas protegidas.

“A principal motivação para a abertura desses ramais é a exploração madeireira seletiva, com foco em espécies de alto valor comercial, como também acesso a áreas com processos minerários. Após a retirada da madeira, essas áreas tendem a ser convertidas rapidamente em pastagens para criação extensiva de gado bovino, ou monocultura, configurando um padrão recorrente de desmatamento associado à especulação fundiária e ao avanço da pecuária na região”, afirma um trecho do estudo.

Conforme alertam vários especialistas, todas essas questões podem empurrar a Amazônia para um “ponto de inflexão”, em que a floresta deixaria de se sustentar, resultando em queda nas chuvas, aumento de incêndios e colapso ecossistêmico.

Pressão política

A meta de desmatamento ilegal zero até 2030 está prevista na Meta 15 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU e no Acordo de Paris, firmado há dez anos. Ela também integra a Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC, na sigla em inglês) do Brasil, que também inclui o compromisso de alcançar emissão líquida zero de gases de efeito estufa (GEE) até 2050.

Desde o início do novo mandato, em 2023, o governo federal  tem buscado retomar o protagonismo ambiental que o Brasil perdeu durante a gestão anterior.

Logo em junho daquele ano, a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), Marina Silva, apresentou a 5ª fase do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm). O documento conta com mais de 130 metas e indicadores, entre eles a fiscalização de 30% das áreas desmatadas ilegalmente e identificadas pelo Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (PRODES), sistema do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Essas e outras ações resultaram em uma queda significativa nos índices de desmatamento e queimadas nos biomas brasileiros nos últimos três anos.

Contudo, a decisão de avançar com a BR-319 expõe uma contradição entre discurso e prática. Diante da pressão de vários parlamentares que são favoráveis à pavimentação, incluindo senadores do estado do Amazonas, os ministérios do Meio Ambiente e dos Transportes firmaram um acordo para criar o “Plano BR-319”, em julho deste ano. A iniciativa prevê condições para o asfaltamento de cerca de 400 km do chamado “trecho do meio”.

Já em setembro, durante uma visita à capital amazonense, Lula garantiu a construção de um “acordo definitivo” para a pavimentação, afirmando que a obra respeitará os parâmetros ambientais, ao mesmo tempo em que reconhece os riscos da obra.

Credibilidade em risco às vésperas da COP30

A COP30, que reunirá mais de 160 delegações internacionais, chefes de Estado, empresas e organizações da sociedade civil em Belém (PA), é vista como uma oportunidade histórica para o Brasil se consolidar como uma das lideranças globais na pauta climática, sobretudo por ser a primeira COP em solo brasileiro e no coração da floresta amazônica.

Entretanto, o apoio à pavimentação da BR-319, sem mecanismos robustos de controle e mitigação dos impactos socioambientais, pode minar a credibilidade do país diante da comunidade internacional.

Na visão de especialistas, essa escolha compromete não apenas a meta de desmatamento zero até 2030, mas também o futuro ambiental do planeta.

Informativo Especial COP30

Este texto integra a seção “Destaque do Mês” do Informativo nº 71 do Observatório BR-319 (OBR-319).

A edição especial também aborda outros temas relevantes para a região, como a expansão da abertura de ramais e estradas clandestinas na área de influência da BR-319, a participação de organizações parceiras do OBR-319 na COP30 — que apresentarão projetos e iniciativas voltadas ao fortalecimento da agenda socioambiental —, além de dados atualizados sobre desmatamento e focos de calor nos meses de setembro e outubro.

O informativo completo pode ser acessado gratuitamente em: https://observatoriobr319.org.br/.